A DÚVIDA DO ESCRIBA O Centro do Imaginário Social viveu nesse último ano como "prostituta respeitosa": existe e coexiste, mas sua dignidade é suspeita, suas intenções, com certeza, são as piores possíveis. Qual o nosso crime? CRIAR. Criar numa Universidade onde este verbo fundamental é visto com suspeição. Mas não somente nesta Universidade. No País inteiro criar é ato estranho, perigoso e até mesmo tem-se dúvida se é ainda possível acontecer. Mas ao acontecer, gera ânsias de auto-de-fé, desejos de imensas fogueiras acesas purificando os hereges, tentando corrigir a estranha coragem de fazer alguma coisa em meio ao deserto. As "razões" para nossa desavergonhada imobilidade, é o que difere da covardia nacional: damos a desculpa do escriba que, duzentos anos antes de cristo, as pirâmides e a grandeza de um império mais que milenar diante dos olhos, dizia que nada se poderia mais inventar ou criar, tudo estava feito e perfeito. Não temos as pirâmides ou um império que nos engrandeça a alma a ponto de nos sufocar. No entanto temos uma realidade infinitamente pior: a grande-pequenez do mundo; a imensa-insignificância da alma; a grandeza-microscópica da covardia; a desculpa da imensidão do conhecimento e a impossibilidade em dominá-lo; o ridículo saberzinho provinciano, mesquinho e secundário que uma lábia de botequim esconde e dá ares de sutileza e complexidade: o 'tudo está feito' nos exime e nos camufla. Terminamos um longo ano de lutas com quarenta e cinco textos publicados; três veículos de publicação (o Boletim, a Revista Civilização e o Caderno de Criação); dois laboratórios (o de Arqueologia e o de Paleontologia); a criação da Biblioteca Adamastor Camará; vários projetos de pesquisa em andamento e a formulação geral de debates e cursos para este ano: tudo isso passou despercebido, como se não existisse. Com estas ações indicamos à Universidade a existência de vida inteligente e com isso a real possibilidade de nos afastarmos de uma mentalidade secundária que nos rói por dentro, mantendo-nos como instituição falida por vocação. O Centro do Imaginário está, como sempre esteve, aberto aos professores e alunos que queiram desenvolver projetos de pesquisa visando o maior aprofundamento da realidade. Seu campo é o mais amplo: entendemos o humano como sinônimo de universo. Será nossa ação como pensadores e pesquisadores que dará dignidade à Universidade e não conversas inúteis e lutas por cargos que devem ter como função básica apoiar e proteger o sistema de criação e pesquisa. A desculpa do escriba é a forma mais fácil de afundar e dissolver a mentalidade universitária, que querem, quase todos, transformar numa mentalidade de escola do segundo grau, como se professores e alunos universitários fossem iguais à professores e alunos das escolas secundárias, como se tudo no mundo fosse igual. Precisamos urgentemente resgatar a dignidade universitária e apoiar aqueles que realmente criam e não os que consomem-se em vazias conversas de corredor.